O nazifascismo, fenômeno político comum na primeira metade do séc XX, era caracterizado como uma ideologia que sufocava as liberdades civis dos cidadãos bem como institucionalizava a contrarrevolução no Estado, opondo-se a todas as ideias não presentes no ideário fascista, seja no plano doméstico ou internacional. Seu objetivo máximo era implementar ou manter uma ordem mundial condizente aos seus princípios e interesses nacionais, bem como a segurança e prosperidade do Estado fascista.
Ao longo do século XX, quatro Estados foram abertamente seguidores do modelo fascista: Alemanha (liderada por Adolf Hitler – o nazismo, subespécie do fascismo por englobar o antissemitismo); Itália (chefiada por Benito Mussolini); Espanha (comandada por Francisco Franco) e Portugal (administrada por António Salazar). Para além desses quatro, houve alguns outros países cujos líderes, embora não abertamente fascistas, simpatizavam ou ao menos seguiam parte das ideias fascistas (como o caso de Getúlio Vargas no Brasil).
Nada do que acabei de contar é
novidade para qualquer historiador ou pesquisador desse assunto, porém o que
poucos sabem é que, por bem pouco, os Estados Unidos quase seguiram por esse
mesmo rumo, quatro anos antes de iniciar a Segunda Guerra Mundial. Teoria da
Conspiração? Lunatismo marxista? Não, apenas a história que os Yankees mais
desejam esconder do resto do mundo. Vamos conferi-la agora.
No ano de 1934, os Estados Unidos
ainda estavam se recuperando da Grande Depressão (período iniciado em
1929, com a ocorrência da quebra de bolsas de valores de todo o País, o qual
mergulhou os Estados Unidos na pior crise econômica de sua história), tudo
graças ao programa elaborado pelo presidente Franklin D. Roosevelt
chamado New Deal (que consistia basicamente no Estado Yankee
realizar grandes investimentos em obras públicas, de modo a aquecer a
economia).
Esse programa estava retirando os
Estados Unidos do buraco onde se encontrava, e gozava de ampla aceitação na
sociedade, porém nem todos estavam felizes com tal programa. Seja por um
fundamentalismo de mercado que via com repulsão qualquer interferência do
Estado na economia, seja por visões e opiniões pessoais que contornariam a
crise sem precisar do New Deal. Então, pausa para introdução de um filme
clichê dos anos 80, um grupo de famílias influentes e poderosas se reuniram e
conspiraram contra Roosevelt.
Quem eram essas famílias? 24 ao todo,
sendo que dentre elas estavam famílias como Morgan; Robert Sterling Clark;
DuPont; Rockefeller; Mellon; J. Howard Pew e Joseph Newton Pew, todos
pertencentes a elites financeiras e industriais do País. O objetivo da
conspiração era financiar e persuadir veteranos do Exército estadunidense (sobre
o disfarce do grupo fascista americano American Legion) com a missão de
marchar até a Casa Branca, prender (e provavelmente executar) o presidente
Roosevelt e acabar com o New Deal. Após tudo isso ser feito, seria
implantada uma ditadura fascista, nos moldes de Mussolini e Hitler.
Para a sorte dos Estados Unidos, o
plano falhou no momento em que um dos oficiais que tentaram cooptar, entregou o
movimento. Esse oficial foi o major-general Smedley Darlongton Butler,
que havia denunciado a conspiração para um repórter chamado Paul French, dos
jornais Philadelphia Record e New York
Evening Post. Posteriormente a esse escândalo, os deputados John W.
Mccormack e Samuel Dickstein criaram um comitê destinado a investigar as
atividades tanto dos conspiradores quanto dos demais fascistas estadunidenses,
chamado formalmente de Special Committee on Un-American Activities,
Investigation Of Nazi Propaganda Activities and Investigation of Certain Other
Propaganda Activities United States Congress.
Em testemunho ao comitê, Butler
alegou que o golpe seria feito por um exército privado de 500 mil ex-soldados e
outras pessoas. De sua parte, falou que foi abordado tanto por Gerald C.
MacGuire (empresário e advogado da companhia de corretagem Grayson M-P.
Murphy & Co.) quanto por William Doyle, ex-líder da organização
fascista estadunidense American Legion; foi lhe oferecido US$ 100.000
para comandar o levante contra Roosevelt, ao qual recusou.
Posteriormente ao depoimento de
Butler, o tenente-coronel James E. Van Zandt, (pertencente a
organização assistencial Veteran Of Foreign Wars) também prestou um
depoimento declarando ter se recusado a participar do complô, bem como o
capitão Samuel Glazier, declarou sobre juramento que Jackson Martindell, então
conselheiro financeiro de Wall Street, havia tentado contratá-lo para treinar
500.000 civis para também participarem do golpe.
Como pôde-se ver, o caso era sério, envolvendo muitas pessoas influentes nos Estados Unidos, que estavam tentando fazer algo que só pode ser classificado como alta traição à autoridade do Estado democrático. Infelizmente, todos os documentos produzidos pelo inquérito acabaram por ser censurados, e o depoimento de Smedley Darlington Butler, o mais detalhado de todos, acabou por ter muitos trechos apagados, devido a implicar em grave crime diversos diretores das maiores empresas dos Estados Unidos, dentre tais executivos Guaranty Trust; Grayson Murphy; JPMorgan; Irénée du Pont e Lammot du Pont, este último sendo o mais grave por ser proprietário da fábrica de armamentos Remington Arms Co., que estava investido excessivamente na Itália fascista e ter criado tanto a Black Legion (outra organização fascista) e a American Liberty League (organização que repudiava tanto Roosevelt quanto o New Deal).
Foram também removidos muitos nomes
que eram altamente embaraçosos do relatório final, nomes estes mencionados por
Gerald MacGuire (o empresário que tentou convencer Butler a participar
do golpe em depoimento ao comitê) e posteriormente confirmados pelo próprio Butler.
Entre esses nomes, que só foram revelados décadas após o incidente, estava
Alfred E. Smith, candidato à presidência pelo partido democrata em 1928, o
general Hugh S. Johnson, chefe do National Recovery Administration, e o
general Douglas MacArthur, chefe do Estado-Maior e que combateu na Segunda
Guerra Mundial no teatro do Pacífico, ao qual provavelmente iria liderar o assalto
a Casa Branca.
Por que toda essa história foi
abafada? Por que o comitê teve que ser oficialmente censurado e os
conspiradores não foram punidos? Duas razões. Primeiramente, Roosevelt, ao ser
plenamente informado da conspiração em gestação, não ordenou a prisão de nenhum
dos conspiradores mesmo conhecendo seus nomes (no qual constava até mesmo
William Knudsen, presidente da toda poderosa General Motors – a maior
empresa à época) pois temia que, com a prisão em massa de diversos empresários
e industriais simultaneamente, poderia provocar um novo crash em Wall Street
e devolver os Estados Unidos a condição de depressão econômica que se
encontrava antes do New Deal.
Em segundo, diversos outros membros
influentes da sociedade estadunidense, dentre eles muitos diretores de jornais,
desejavam abafar essa história completamente, pois queiram manter a imagem dos
Estados Unidos tal como se encontrava, conhecido pelas expressões "Terra
da Liberdade", o "excepcionalismo americano",
local em que a ordem democrática sempre foi respeitada por todos. Como era
possível que aquele bravo País, onde se valoriza a liberdade, a iniciativa
individual e a busca pela felicidade, por bem pouco não se juntou ao elenco dos
Estados Fascistas? Não, era inadmissível. Essa história toda deveria ser
esquecida. Uma vez que os jornais estadunidenses ignoraram o acontecimento após
o arquivamento do comitê, e como ninguém foi preso ou punido, esse fato da
história, por razões tanto econômicas quanto de orgulho/ideologia, foi
esquecido, se convertendo quase em uma lenda.
Se foi esquecido, como é que existe
alguma prova de sua existência? Simples. Os documentos do comitê estavam
depositados no arquivo nacional dos Estados Unidos, é só foram totalmente
desclassificados em 2001, quando dois judeus sobreviventes do holocausto (Kurt
Julius Goldstein e Peter Gingold) iniciaram um processo nos Estados Unidos,
onde demandavam da família Bush a quantia de 40 bilhões de dólares em
indenização pelo trabalho escravo que tiveram que fazer para a empresa Fritz
Thyssen em Auschwitz (ao qual o então patriarca Bush, Prescoott Bush, pai e
avô dois dois presidentes Bush era o sócio majoritário, sendo que o trabalho em
Auschwitz, segundo os judeus, ajudou a enriquecer a família). Eles requereram
como prova os documentos do comitê, o qual foi concedido.
Embora os judeus acabaram por perder
o processo (a alegação da juíza Rosemary Mayers Collyer era que o demandado da
ação, o então presidente George W. Bush, tinha imunidade justamente por ser o
presidente dos Estados Unidos), os documentos do inquérito somente foram
totalmente desclassificados graças a eles, podendo averiguar por completo essa
história.
Se você nunca ouviu falar desse fato antes,
saiba que não é à toa. Eu mesmo só estou falando dela porque tenho uma fonte
inquestionável para ninguém me acusar de mentiroso. Os Estados Unidos desejam
muito que todos esqueçam que um golpe quase foi feito em seu País, pois isso
macularia irremediavelmente sua autoimagem como "líder do mundo
livre". Portanto, é meu dever como historiador divulgar essa e outras
histórias que foram ou tentam ser acobertadas o máximo possível, pois do
contrário, sem essa lição da história, algo semelhante talvez venha a acontecer
em qualquer lugar do mundo. Uma história, assim como uma pessoa ou um Deus, só
morre de verdade quando mais ninguém se lembrar que ele(a) um dia existiu.
Por DEMETRIUS SILVA MATOS
FONTE:
BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz. A desordem mundial: o aspecto da total dominação. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2016.
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