Com a aceleração digital
verificada após a instalação da banda larga de internet, as relações e o mundo
observaram uma mudança em termos de velocidade na informação, que impactou as
relações, o uso de serviços, as empresas.
Para ter dimensão desta
velocidade, basta um simples exercício:
*Você se lembra de como era
sua vida a 20 anos atrás, como se comunicava com as pessoas e pagava as contas
no banco? E a 10 anos?
*Você se lembra quando
deixou de comprar câmaras fotográficas digitais já que os novos smartphones possuem câmara iguais ou
melhores?
*E a última vez que você
foi a locadora de vídeos?
*Em que ano você adotou a
NETFLIX como meio de acesso a filmes, passando a consumir filmes utilizando a
tecnologia via streaming?
*Você se lembra quando sua
empresa ou instituição começou a deixar de usar o papel, e passar a ter
processos e sistemas internos eletrônicos?
*E quando você começou a
pagar contas e fazer 80% das operações bancárias no aplicativo do banco?
Essa evolução digital e
transformação da sociedade não ocorreu para todos ao mesmo tempo. Entre os
fatores que podem ser apontados para essa diferença de ritmo no ingresso na era
digital podemos citar:
- Rejeição ao novo mundo tecnológico, comum nas pessoas que já ultrapassaram a faixa etária dos 60 (sessenta) anos;
- Fatores econômicos que dificultam ou mesmo impedem o acesso aos equipamentos, como smartphones, tablets, e notebooks, ainda caros e distantes da aquisição por todos aliando ao valor dos planos de internet;
- Falta de investimento das empresas, em especial de médio e pequeno porte em sistemas delivery, modificando sua cadeia de entrega de produtos, em que pese o crescimento dos e-commerces, mas ainda a cargo de grandes empresas
Para exemplificar essa
diferença no ingresso digital e suas exigências, podemos citar a concessão e
pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00 (seiscentos reais) estabelecido pela
Lei nº 13. 982/2020 (acesse
aqui), tendo sido inclusive criado
pela Caixa Econômica Federal um aplicativo para cadastro no sistema de
recebimento para aqueles que não estejam cadastrados no sistema único do governo federal.
Isso significa dizer que o cidadão precisa de acesso a um meio tecnológico que
disponibilize o app, ou seja, estar incluído no mundo digital, o que hoje não
abrange toda a sociedade, uma vez que o Brasil ocupa a 72ª posição entre países que fizeram a sua inclusão digital , apontando para as dificuldades das camadas menos favorecidas da sociedade,
justamente aqueles que precisam do auxílio emergencial.
Mesmo com a aprovação da inclusão dasfintechs ,
com suas contas digitais, para pagamento do auxílio emergencial, sem o
pagamento de taxas para o cliente final, pressupõe que esse cliente esteja
incluído no mundo digital. Se todos estivessem utilizando os meios
tecnológicos, o acesso ao auxílio emergencial não geraria longas filas,
burlando a atual necessidade de isolamento social para contenção da pandemia de COVID19.
Não foi só o auxílio emergencial que
revelou, o que já era imaginado, as pessoas menos favorecidas economicamente, e,
portanto, sem tanto acesso aos meios digitais, nesses tempos de isolamento
social, muitas empresas tiveram que se adequar, às pressas, no improviso, implementando mudanças na forma de gestão e execução de tarefas até
então realizadas, como por exemplo a adequação de supermercados e restaurantes,
em especial aqueles cujo funcionamento eram tradicionalmente presenciais, ao
sistema delivery, impactando sua
logística de trabalho até então executada com sucesso. Aliado ao costume de
grande parte da sociedade brasileira, em se dirigir aos locais de compra para
escolha dos produtos presencialmente, gerava a falsa desnecessidade para as
empresas, implementarem inovações, como sistema delivery.
Com a flexibilização das
normas de isolamento social, iniciada em alguns municípios em meados de julho de 2020 enquanto algumas empresas estudam adotar de forma permanente o home office, como a XP outras abandonam rapidamente o atendimento on line, para utilizar os métodos
anteriores a março de 2020.
As escolas também experimentaram esse impacto.
Com o isolamento social, o ensino EAD teve que se tornar realidade, sendo que mais
uma vez as camadas menos favorecidas sentiram as dificuldades em acompanhar o
ensino a distância, ante a falta de recursos individuais e das próprias
escolas, para equipamentos como notebook, tablets, conta de internet,
smartphones, comuns em muitos meios sociais, mas não acessíveis a todos, como
foi apontado no post IV da série COVID 19 deste site (Homeschoolingem tempos de COVID-19: Uma prática de inclusão ou exclusão?)
Por outro lado, a
experiência da Escola 42, que chegou em SP em 2019, uma instituição francesa ,
cuja proposta, totalmente sem professores e aulas teóricas, é estimular os
estudantes em diversos níveis a interagirem, ajudando uns aos outros, no
desenvolvimento dos projetos testando na prática, apontando a interação
coletivo e o novo modelo de ensino. O ensino é gratuito e qualquer pessoa maior
de 18 anos poderá se inscrever.
Será assim a escola do futuro? Como
fazer com os alunos no Brasil afora desenvolva esse patamar? Será a tecnologia a
nova segregação de classes aumentando as diferenças sociais ao invés de buscar
uma sociedade mais justa e igualitária?
A área da saúde também é impactada pelo
avanço tecnológico, e por medidas de trabalho diferenciadas, tendo sido
regulamentado a telemedicina, no período de combate ao coronavirus.
Os especialistas apontam estudos para
que os municípios menores tenham locais de acesso a internet e equipamentos para
remessa de exames e casos de pacientes, para os centros de alta complexidades
(cujos médicos dariam os diagnósticos via on
line), determinando tratamentos e indicação de ida ou não do paciente para
municípios com o aparato para atendimento de alta complexidade, como forma de superar as dificuldades de comunidades e municípios de baixa renda no uso da telemedicina. O próprio serviço de saúde pública disponibilizaria esses locais de acesso para os grandes centros.
O mundo está mudando para um acesso e
ritmo cada vez mais tecnológico e digital, o que impacta nas relações
individuais e sociais, e também globais. Esse atual fenômeno exige uma
preparação do setor público para o atendimento das necessidades sociais, com
intuito de diminuir o fosso entre aqueles que tem acesso à tecnologia e aqueles
que estão excluídos, voluntaria ou monetariamente, desse acesso.
Acreditamos que as instituições
públicas devem começar a interferir nos modelos propostos de educação,
resguardando assim a futura sociedade, evitando fossos profundos de diferenças,
que implicam desigualdade social e violação do art. 3º da Constituição Federal (CF):
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
Da mera leitura do dispositivo
constitucional, infere-se, numa leitura atualizada para o sec. XXI, da
necessidade de inclusão digital. Se em outubro de 1988, data da Constituição
Federal, o acesso digital não era sequer cogitado como política de inclusão
social, hoje em pleno século XXI, não se pode olvidar ante os impactos já sentidos
e que serão acelerados daqui em diante, sob pena de violação desses ditames constitucionais estabelecidos pelo art. 3º da CF.
O cidadão do século XXI para estar
inserido nessa sociedade fruto da 4ª revolução industrial (tecnológica e
digital) é necessariamente um cidadão digital, que precisa saber utilizar os
recursos tecnológicos, para sua vida cotidiana, desde de acesso à educação,
saúde, e vida pessoal, até a busca de empregos.
Estudos revelam que 85% das profissões que existirão em 2030 ainda não foram criadas, apontando para a necessidade continua de educação e preparo para o
insurgente mercado de trabalho, buscando desenvolver habilidades que não podem,
por enquanto, serem substituídas pelas máquinas. Empregos estão deixando de
existir para surgirem outros. Estamos presenciando uma era de transição. Rápida e ágil.
A sociedade que surgirá dependerá das
escolhas feitas atualmente, o que inclui o controle das atuais companhias
responsáveis pela criação e desenvolvimento de I.A. (inteligência artificial).
Você sabe quem são essas empresas e como estão programando as I.A´s? Quais os
limites, os valores, a ética envolvida nesses projetos? Essa discussão não
deveria ser restrita ao mundo empresarial, do ponto de vista do lucro, mas sim
um espaço democrático global, com participação do poder público e da sociedade
civil para determinar os próximos passos da humanidade. Sim, falar em criação e
desenvolvimento de Inteligência Artificial é falar dos próximos passos da
civilização e na linha de desenvolvimento do homo sapiens.
O que será considerado humano (como
conhecido hoje) nas próximas décadas? Quem tiver 90, 80, 70, 60, 50, 40, 30% de
massa biológica na sua constituição? Iremos presenciar o nascimento de uma nova
ou novas raças, totalmente tecnológicas ou híbridas? Quem tiver recursos
financeiros poderá aproveitar os avanços de saúde, vivendo aos 90 anos com
excelente qualidade de vida; por outro lado, quem não tiver, corre o risco de se tornar um humano ainda mais debilitado
e de segundo tipo, aumentando mais ainda o fosso social? Esse poderá ser o
panorama da sociedade que se aproxima!
Com tantas implicações e
por que não se falar em perigos, é urgente o debate público e social para
delinear a sociedade que está chegando.
Mas, se sequer o
analfabetismo funcional não foi erradicado do Brasil, como combater o
analfabetismo ou exclusão digital?
Numa postagem anterior
comentei o capítulo 3 -“Empreendedorismo e inovação: novo enfoque para
a administração pública”, no livro EMPREENDEDORISMO:UMA
DISCUSSAO DE PRÁTICAS BRASILEIRAS, da editora PACO, no qual abordei a
necessidade de uma atualização do entendimento do serviço público, que também
precisa estar atento às transformações que estão acontecendo nessa era digital.
A participação social e discussão
pública dos caminhos que a sociedade nessa era digital está trilhando ensejam o
diálogo e a constituição de comitês nas diversas esferas: federal, estadual e
municipal para o debate e escolha dos caminhos tecnológicos a serem
implementados doravante.
Ao mesmo tempo, os orçamentos públicos
deverão conter indicações para a realização da inclusão digital, tanto a nível
educacional, como acesso a equipamentos e internet pública e gratuita, abrangendo os grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com baixa renda.
Se a inovação é inevitável,
indispensável que todos estejam preparados para esse mundo tecnológico
emergente. Sempre surge a pergunta: como você está se adaptando e se
preparando, a nível técnico e emocional, para esse novo mundo emergente?
Flávia Valéria Nava Silva
Autora do blog
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