
Se
por um lado a lei permitiu a flexibilização da contratação pelos entes públicos
(União, Estados e Municípios) que em razão do tempo e urgência, não poderiam
atender a todos os requisitos e tramites da Lei de Licitações; por outro os
casos de corrupção já ensejam a formação de forças tarefas para fiscalizar e conter
os abusos dessas contratações, citando por exemplo, entre muitas outras, o caso
de uma loja de vinho que receberá 2,9 milhões para fornecer ventiladorespulmonares ao Amazonas. Mas, a fiscalização e repressão serão assuntos de um
outro post. Por hora vamos entender os impactos da nova Lei nas contratações públicas.
“As contratações públicas em
face da Lei nº 13.979/2020

Neste horizonte mundial
calamitoso são exigidas do poder público medidas preventivas e repressivas
totalmente excepcionais e, até então, impensadas dentro do arcabouço jurídico
disponível, onde as clássicas soluções trazidas são insuficientes a conter o
impacto da pandemia nas relações entre a administração e os administrados,
mitigando-se o princípio da legalidade em prol do bem maior que é a vida.
Sob este contexto, não
obstante toda a legislação já existente sobre as ações de vigilância
epidemiológica, aplicadas no âmbito do SUS, o Brasil acertadamente fez editar a
Lei Federal nº 13.979/20, com alterações introduzidas pela Medida Provisória nº
926/2020, ainda não analisada pelo Congresso Nacional.
Como não existe um prazo
determinado para a situação de emergência gerada por esta pandemia, cabe ao
Ministério da Saúde dispor acerca da sua duração, observadas as normas da
Organização Mundial da Saúde (OMS), o que definirá a cessação deste regime de
emergencialidade (art. 1º, §§, 1º e 2º).
No entanto, pelo art. 8º da
referida lei, os contratos públicos pactuados sob a égide desta legislação
podem ter sua execução para além da duração do período declarado crítico e
emergencial, desde que obedecidos os prazos de vigência estabelecidos no art.
4º-H. O prazo de duração dos contratos é limitado a 6 (seis) meses, havendo
possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos, enquanto perdurar a
situação de excepcionalidade (art. 4º-H).
As contratações públicas
realizadas para o enfrentamento da epidemia contém regras bem mais flexíveis do
que as previstas na situação de dispensa por calamidade pública disposta no
art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, resguardados os requisitos expressos no art.
4º-B da Lei nº 13.979/2020, quais sejam: I - ocorrência de situação de
emergência; II - necessidade de pronto atendimento da situação de
emergência; III - existência de risco a segurança de pessoas, obras,
prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;
e IV - limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da
situação de emergência.
A lei ainda dispensa os
estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns e considera a
elaboração de termo de referência e o projeto básico de forma simplificada
(art. 4º-C e E), amenizando as regras da Lei nº 8.666/93. Também dispensa,
excepcionalmente, à luz do art. 4º-E, § 2º, a realização da estimativa de
preços no âmbito do termo de referência ou projeto básico simplificado.
No mesmo sentido, o art.
4º-E, § 3º admitiu a contratação por preço superior ao orçado, decorrentes de
oscilações ocasionadas pela variação de preços. Neste caso, cabe ao
administrador justificar expressamente o ato, atentando-se ao superfaturamento
abusivo, podendo inclusive se utilizar, como última possibilidade, da
requisição administrativa.
Outro diferencial é a
possibilidade de contratação de empresa declarada inidônea ou com o direito de
participar de licitação ou contratar com o poder público suspenso, desde que
seja, comprovadamente, a única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido
(art. 4º, §3º).
Quanto ao cumprimento dos
requisitos de habilitação das empresas, expresso no art. 27 da Lei nº 8.666/93,
a lei em seu art. 4º-F determina que, em caso de restrição de fornecedores ou
prestadores de serviço, justificadamente poderá dispensar algum dos requisitos
de habilitação ou regularidade fiscal ou trabalhista, exceto a situação regular
quanto à Seguridade Social e vedação do trabalho infantil (art. 7º, XXXIII, da
CR/88).
Para agilizar as
contratações, diante do estado de urgência, a lei determinou que os recursos
dos procedimentos licitatórios somente terão efeito devolutivo (art. 4º-G, §
2º) e suprimiu a necessidade da realização de audiência pública de que trata o
art. 39 da Lei nº 8.666/93, quando o valor da contratação for superior a 100
(cem) vezes o limite previsto no art. 23, I, “c” da Lei nº 8.666/93.
Admite-se, pois, diante da
recorrente modificação das condições sanitárias enfrentadas, a alteração das
quantidades previamente contratadas, devendo o contratado aceitar, nas mesmas
condições pactuadas, acréscimos ou supressões ao objeto em até 50% (cinquenta
por cento) do valor inicial atualizado do contrato (art. 4º-I).
De outro viés, a
jurisprudência também está trabalhando para uma interpretação conforme à
Constituição neste tempo de pandemia, assim é a decisão liminar do Ministro
Alexandre de Moraes na ADI 6357: "(…) para CONCEDER INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL, aos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de
Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes
Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância
nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a
exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à
criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto
de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19. Ressalto que, a presente
MEDIDA CAUTELAR se aplica a todos os entes federativos que, nos termos
constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública
decorrente da pandemia de COVID-19 (...)."
Note que não se pretende
esgotar uma análise da Lei nº 13.979/2020, mas sim realçar seus principais
reflexos em face das administrações, de modo a desmistificar que ela veio para
apresentar um “salvo conduto” aos gestores durante esta crise. Ao contrário,
tratou de fixar expressamente parâmetros para obrigar o administrador a motivar
expressamente seus atos, mesmo diante de um panorama sanitário mundial ímpar.
A relevância desta
legislação no cenário atual de calamidade e emergência, ao par de garantir
maior segurança jurídica aos gestores e aos particulares que contratam com o
poder público, também não descurou da fixação de limites à atuação
administrativa, de forma a prevenir abusos, excessos e arbitrariedades, pois ao
mesmo tempo que o Estado existe para prover as necessidades dos cidadãos e tem
subsunção máxima à lei, deve ele agir sempre sob o manto das constantes
transformações sociais em face das vivências fáticas excepcionais apresentadas
(art. 20 da Lei nº 13.655/18).
Fato é que o enfrentamento
dos desafios pós-modernos, frutos de uma sociedade plural, massificada e global
não se adéquam mais às soluções tradicionais!”
KELE CRISTIANI DIOGO BAHENA
Promotora de Justiça MPPR, Coordenadora
do Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio Público e no Combate à Improbidade Administrativa (GEPATRIA).
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