O POST III da série COVID 19, aborda a questão escolar em tempos de suspensão de aulas, ensino a distância, inclusão digital. O autor é o professor Marcus Krause, com experiência de 10 anos na docência, ao lado dos 20 anos como técnico ministerial no Ministério Público do Estado do Maranhão, e presidente da Associação “Toda Criança Feliz”, no município de Pedreiras no Maranhão, faz o convite para uma reflexão sobre o tema. Vamos lá:
“Homeschooling em tempos de COVID-19:
Uma prática de inclusão ou exclusão?
“Vivemos um tempo nunca visto na história da humanidade, estamos
passando por um momento no qual todas as nossas relações sociais foram
afetadas, trazendo com isso prejuízos imensuráveis, não somente de ordem
econômica, mas que engloba todas as relações típicas da civilização
humana.

Logo que o COVID-19 começou a se proliferar em nosso país, uma
das primeiras medidas de combate e prevenção adotadas pelos governos foi a
suspensão das aulas, tanto da rede pública quanto privada, em todos os níveis
da educação, por recomendação da Organização Mundial de Saúde - OMS, tendo em
vista ser, o isolamento social, até então, único meio de evitar contágios do
Vírus.
Como resultado destas paralisações nos calendários escolares,
somente na América Latina, mais de 95% das crianças ficaram, e ainda estão sem
aulas, o que corresponde a aproximadamente 154 milhões de crianças, segundo
dados veiculados no dia 23 de março de 2020, em vários sites na rede mundial de
computadores. Estima-se que no Brasil, o número de alunos sem aulas, por conta
da pandemia, gire em torno de 48,4 milhões de alunos, considerando que este é o
quantitativo de alunos registrado no censo escolar de 2018.
Diante dessa preocupante situação de suspensão das aulas, as
escolas, tanto na rede pública quanto privada, passaram a adotar prática de “homeschooling”,
por meio de métodos online, sendo
indiscutível, a necessidade de adoção de medidas alternativas para minimizar os
impactos da perda de aulas. Contudo observou-se grandes discussões sobre a
adoção compulsória de tais métodos, muitas famílias relataram dificuldades de
operar as ferramentas tecnológicas para acesso aos conteúdos, outras
apresentaram dificuldades em administrar a situação em relação aos filhos, tais
como falta de habilidades e conhecimentos didáticos e outros casos em razão da
baixa escolaridade dos pais ou responsáveis. Como docente, acompanhei alguns
relatos de pais e mães em grupos de whatsapp,
bem como em matérias veiculadas em blogs e sites, onde os mesmos manifestavam
preocupações, dúvidas e muitas divergências sobre a metodologias online.
No Brasil a prática de homescholling
ainda não é regulamentada, portanto tais medidas adotas pelas escolas deveriam
ser tratadas como complementos didáticos e não com rigorosos critérios de
obrigatoriedade. A muito tempo, se discute em nosso país, a possibilidade de
implementação dessa prática de ensino, atualmente tramita na Câmara dos
Deputados, PL 2401/2019, de autoria do poder executivo, que visa a
regulamentação do formato de ensino, mas o primeiro PL apresentado data de
1994.
A legislação brasileira preceitua que o ensino fundamental deve
ser presencial e permite o ensino à distância, apenas como complementação da
aprendizagem ou em situações emergenciais (§ 4º do art. 32 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996).
Outro problema sério que vivemos em nosso país, e que também
pode ser uma barreira para o sucesso imediato da prática de homescholling, é a exclusão digital,
principalmente em relação aos alunos da rede pública de ensino. Fala-se muito
em tecnologia da informação no ambiente escolar, investimentos tecnológicos,
etc, contudo, a realidade brasileira, no que tange ao uso da tecnologia no
processo de educação, ainda é precária. Segundo levantamento realizado pelo
IEDE- Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional, no ano de 2015,
apenas 28,3% dos estudantes brasileiros afirmaram ter acesso a computadores
conectados à internet nas escolas. Segundo este mesmo levantamento, o Brasil
tinha, na época, a segunda pior conectividade nas escolas, o que é preocupante.
Essa realidade é facilmente perceptível ao visitar escolas públicas do Brasil à
fora, muitas delas até possuem computadores, mas muitos obsoletos, outros
apresentam defeitos, e muitos tantos encontram-se amontoados em pequenas salas
que servem de arquivos ou depósitos para objetos inservíveis.
Segundo a UNICEF, o fracasso escolar, de modo geral, se dá por
diversas situações, dentre elas, faço referência em especial, para este
contexto, a uma das condições citadas que é “a falta de acesso a insumos de qualidade, como tecnologia e Internet”.
Assim a adoção do método homeschooling,
da forma como está sendo aplicada, ampliará as desigualdades, inserindo num
contexto de exclusão educacional uma grande parcela de crianças e adolescentes
que já sofrem exclusão digital.
Desta forma, para o sucesso da prática de homeschooling é
preciso, primeiramente, vencer a barreira da exclusão digital em nosso país,
para não incorrer na prática de exclusão escolar, daqueles que já sofrem
inúmeras exclusões em suas vidas.
Antes da adoção do homeschooling,
como meio obrigatório, no atual contexto, poderíamos realizar as seguintes
indagações: Todos os alunos de escolas públicas possuem acesso a internet?
Todos os alunos de escolas públicas dominam as ferramentas tecnológicas? Todos
os alunos de escolas públicas possuem dispositivos para acesso à rede mundial
de computadores?
Até mesmo escolas da rede privada encontraram dificuldades na
manutenção do homeschooling,
sendo que muitas escolas estão antecipando as férias escolares, seria esta uma
medida adotada em razão da não eficácia da prática do homeschooling? Vejamos: se as escolas da rede privada, cujo alunado
é composto por sua grande maioria de alunos com condições financeiras de manter
uma estrutura tecnológica para seu acesso às plataformas digitais da
metodologia escolar supracitada, não estão dando continuidade ao processo da
prática docente por método online, o que dizer da manutenção da mesma no âmbito
da rede pública de educação?
Por isso, a forma compulsória e abrupta do homeschooling, amplamente utilizada como única alternativa, até
então, para contemplar os alunos que se encontravam distantes das salas de
aula, pode não ser eficaz para alcançar 100% do alunado, em especial oriundos
de escolas públicas, tendo em vista que no Brasil, segundo o IBGE (2016) 51%
dos brasileiros ainda não estão incluídos no mundo digital, ou seja, mais da
metade da população, isso implica dizer que, no atual momento, a adoção
precipitada do sistema homeschooling
estará excluindo do processo de aprendizagem uma grande parcela de alunos que
vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica, agravando-se mais ainda os
inúmeros problemas sociais existentes em nosso país, cujos reflexos, podem até
não serem perceptíveis a curto prazo, mas o certo que serão sentidos.
No mais, o acesso a internet, atualmente é um direito universal,
declarado pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2011, sendo a internet,
um direito fundamental do ser humano. Portanto, não se pode achar que aqueles
que não possuem acesso a internet, ou um dispositivo compatível para acesso às
ferramentas, sejam obrigados a providenciar estes meios como condição para sua
integração ao processo de ensino utilizado, sendo que, por se tratar de um
direito fundamental aos seres humanos, caberia ao Estado, a garantia desses
direitos e não privá-los dos mesmos. Diante desses dados apresentados não seria
a adoção de homeschooling, da forma
como está sendo aplicada, um outro meio de exclusão, ao invés de inclusão?
Mais uma vez friso, a homeschooling
é uma medida excelente que pode trazer bons frutos, porém precisa ser
implementada de forma bem planejada, adotando-se todas as medidas necessárias à
sua implementação, a fim de evitar o efeito reverso e causar prejuízos a
milhares de pessoas, principalmente aquelas que vivem em condições de grande
vulnerabilidade social”.
MARCUS PERIKS BARBOSA KRAUSE
Mestre em Ciências da Educação; Especialista em Língua
Portuguesa com ênfase em gramática; Especialista em Gestão e governança em
Ministério Público, Licenciado em Letras, Graduando em Pedagogia.
SITES CONSULTADOS
Sobre inclusão digital
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/28/Os-desafios-de-ensinar-crianças-em-casa-na-quarentena
<acesso em 06/04/20, às 12:55>
<acesso em 06/04/20, às 12:45>
Guia COID-19 - Educação e Proteção de crianças e adolescentes:
Tomadores de decisão do poder público, em todas as esferas federativas.
3 comentários
A proposta da Educação Domiciliar não é torna-la iria,mas dá uma liberdade de escolha para aqueles pais que optarem uma educação Não tradicional,Como acontece em mais 60 países .Educação Domiciliar não educação a distância.
É um tema bastante polêmico, na verdade o formato adotado pelas escolas públicas e privadas, em razão da pandemia, é um misto de Homeschooling, já praticado em alguns países e o formato EAD. Como não houve um planejamento, ficou meio confuso, gerando muitas dificuldades, tanto para alunos e pais, quanto professores.
Muito boa a matéria,fomos pegos de surpresa por essa pandemia por isso a razão do despreparo.No engano cada vez mais a tecnologia irá assumir o protagonismo nas escolas isso é um caminho sem volta.
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