
Por isso, o
post que quebra a sequência das postagens do COVID 19, traz um olhar sobre o
Estado e a propriedade privada, com uma decisão do Rei Belga, Leopoldo III, em
relação ao Congo, escrito pelo responsável pelos posts históricos do site (leia
os anteriores no banner Aconteceu na História).
Entrando na
capsula do tempo em 3, 2, 1...:
ESTADO X PROPRIEDADE
PRIVADA: A TRAGÉDIA DO REI BELGA LEOPOLDO II NO CONGO
“Estamos
no século XIX, o século do Imperialismo, onde diversos Estados da Europa
conseguiram por meio de guerras ou acordos injustos construírem verdadeiros
impérios em territórios da África e da Ásia, com notoriedade para os impérios
coloniais da Grã-Bretanha e França, sendo esse primeiro apelidado de “o império
onde o sol nunca se põe” pois abrangia territórios tão distantes uns dos outros
(Canadá, África do Sul, Índia, Austrália, etc) que em momento algum era noite
em todos os pontos de sua extensão. Tais impérios coloniais eram necessários
pois a Europa estava vivendo uma grande industrialização, e precisava
continuamente de recursos materiais e humanos para manter os motores da
indústria funcionando, sendo tal “demanda” fornecida pelas colonias, seja com
boa vontade, seja com má vontade. Em suma, todos os Países da Europa desejavam
colonias, e fariam de tudo para consegui-las.
Dentre
estes Estados europeus que buscavam colonias, existia um pequeno País chamado
Bélgica, que embora pequeno tinha um rei com sonhos de grandeza. O seu Monarca,
Leopoldo II, uma vez declarou: “nossas
fronteiras jamais irão se alongar dentre da Europa, portanto precisaremos de
uma colônia e lutaremos para obter uma”. Essa declaração rendeu a Bélgica
diversas tentativas infrutíferas de obter uma colônia, iniciando pela tentativa
de comprar uma província argentina até a conquista do Vietnã, sendo que os
franceses frustraram essa última. Por fim, quando estava quase desistindo de
obter uma boa colônia, em 1876 Leopoldo II se deslumbrou com uma vasta região
da África central que ainda não havia sido colonizada por nenhuma potência: o Congo.
Vendo
como uma oportunidade de ouro, Leopoldo II realizou um lobby para que a Bélgica
anexasse a região, como sendo a resposta que o País necessitava para se
desenvolver por completo.
Havia
apenas um problema: a Bélgica era uma monarquia parlamentar, ou seja, Leopoldo
II não tinha poder absoluto sobre os rumos do País, e o parlamento belga não se
interessou pela anexação do Congo, visto como uma cara e inútil conquista
africana. Leopoldo, insultado com tal decisão e ainda muito ganancioso, optou
por uma escolha chocante para os padrões da época: o congo seria belga, porém
não seria propriamente uma colônia da Bélgica cujo parlamento vetou a ideia,
mas sim uma propriedade pessoal de seu rei, sobre o nome de Estado
Livre do Congo.
Isso
mesmo, Leopoldo II tomou um território de 2 milhões de km2 (ao qual
caberiam pelo menos 3 Bélgicas) e que possuía milhões de habitantes como sua
fazenda particular. Tal “mimo” foi
oficializado na Conferência de Berlim em 1885 (feita para dar substancia
jurídica internacional a conquista europeia da África), sobre a promessa de
lutar contra a escravidão e promover o livre comércio na colônia, de modo a
abri-la às importações de outros Países europeus fora da Bélgica.
Devemos
lembrar que para a comunidade internacional da época, a África e seus
territórios tribais com seus habitantes, não possuíam autodeterminação aos
olhos europeus, que deviam aceitar o que os países europeus decidissem sobre
eles.
Até
os dias de hoje, existe um grande debate acerca de qual foi o grande legado do
imperialismo. Alguns apontam que foi uma gigantesca atrocidade para com os
povos colonizados, forçados a se submeter aos colonizadores que exterminaram
populações inteiras, impuseram rotinas de trabalho desumanas e extraíram o
máximo possível dos recursos das colônias, enquanto que outros defendem que foi
graças ao imperialismo que muitas regiões da África e da Ásia tiveram acesso
pela primeira vez a hospitais e escolas, bem como as vacinas introduzidas pelos
europeus salvaram a vida de muitos povos colonizados.
Esse
é um grande debate e que não caberá a mim por um fim nele, mas o que posso
dizer é que a colonização de Leopoldo II no Congo extrapolou todos os limites,
até mesmo para os padrões da época. Lembram das duas promessas que Leopoldo fez
quando obteve seu “latifúndio”? Ele cumpriu apenas a segunda exigência, já a
primeira...
Como
se não bastasse o confisco de terras e aldeias inteiras dos congoleses por meio
de decretos, Leopoldo II fez da escravidão (banida em boa parte do mundo na
época) a principal fonte de trabalho em sua “fazenda”. Para fazer valer sua
vontade, o rei belga criou uma “policia” chamada Força Pública, formada por
soldados e mercenários com a função de serem as mãos de Leopoldo no Congo.
Existiam cotas gigantescas que os congoleses locais deveriam entregar de
borracha e marfim, e caso não cumprissem as cotas a Força Pública poderia fazer
o que bem entendesse para “persuadi-los” a trabalhar mais. Assassinatos,
saques, amputações de mãos e estupros eram uma realidade comum no “latifúndio”
de Leopoldo II.
Para
se ter uma ideia, acadêmicos da área apontam que entre 8 a 10 milhões de
congoleses foram mortos pela repressão, o que fez com que muitos intelectuais e
até mesmo Estados da época ficassem chocados, não que estes Estados não
cometiam atos de crueldade com seus colonizados a depender da situação, mas
aquela situação havia extrapolado todos os limites éticos da “civilização
europeia”, tanto que as imagens no
começo deste artigo, são as charges feitas no século XIX de modo a criticar
tanto a ganancia quanto a crueldade do rei belga.
Devido
à pressão internacional, o parlamento belga se viu forçado a confiscar o
“Estado-latifúndio” do rei em 1908, ao qual foi rebatizado de Congo Belga e, em
comparação aos 23 anos de Estado Livre do Congo, foi bem mais ameno no que se
refere as violações grotescas de direitos humanos. Vale lembrar que, antes
desse confisco, Leopoldo II ordenou a destruição de todos os documentos e
arquivos de sua “fazenda”, com medo de seu legado ser prejudicado por este
“pequeno inconveniente”.
Porém,
o trabalho forçado continuou em algumas regiões, terminando apenas com a
independência do Congo em 1960, onde
então adotou o nome de Zaire e,
posteriormente, RDC (República
Democrática do Congo), um Estado que tem a triste fama de ocupar um dos piores,
senão o pior, rank de IDH do mundo.
O
que essa história tem a nos ensinar? Eu acredito que possa ser utilizada para
explicar o dilema entre o Estado e a propriedade privada. Existem
contemporaneamente duas posições em relação a essa questão: um grupo que pede
um Estado abrangente e que se envolva nos principais aspectos econômicos do
País e outro que pede um Estado mínimo, de modo a dar protagonismo a iniciativa
privada para solucionar os problemas do País.
Vale
apontar que a pandemia vivenciada no ano de 2020, causada pelo COVID 19, fez
com que as nações do planeta, em plena escalada neoliberal e de estado mínimo,
por razões sanitárias inesperadas, revelou a importância da existência do Estado,
enquanto coordenador de políticas e medidas em prol de todos, para deter a
própria pandemia instaurada em seus países, revelando a necessidade de um
Estado que tenha como função buscar o equilíbrio dinâmico da sociedade e suas
várias vertentes, em prol do bem comum, tendo por baliza os direitos humanos, e
a dignidade da pessoa humana.
Nessa
relação complexa entre Estado e propriedade privada podemos citar, a figura da
desapropriação, que ocorre quando o particular não está cumprindo com a função
social da propriedade (desenvolver a área, gerar fonte de renda), o que faz com
que o Estado deva expropriar a área subutilizada para dar a ela um melhor uso.
Embora alguns dizem que essa pratica é uma interferência excessiva do Estado no
particular, nós acabamos de ver que ela é sim necessária, pois Leopoldo II,
embora um rei, administrou o Congo como qualquer outro proprietário particular,
onde sua excessiva ganancia trouxe miséria e decadência a milhões de
congoleses, bem como uma péssima reputação para a Bélgica no século XIX, o que
forçou o parlamento belga (o Estado) a confiscar sua fazendo e dar a ela um
melhor uso.
Portanto,
é necessário sim freios a propriedade particular, pois embora não exista mais
nenhuma da proporção da de Leopoldo II, ainda existem pessoas tão ou mais
gananciosas, dispostas a fazerem as mesmas coisas que o rei belga fez no Congo,
caso as legislações permitissem. Isso não é fácil, eu sei, é um equilíbrio
delicado, mas que deve sempre ser buscado.”
DEMETRIUS
SILVA MATOS
Fonte:
DUARTE,
Fernando. Amputações, estupros e
assassinatos: o horror do Congo Belga. Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/genocidio-africa-congo-belga-leopoldo-ii.phtml>
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