Segundo
o dicionário, corrupção originada do latim “corrumpere”
(o que se rompe, aquilo que se quebra), a quebra da confiança depositada
naquele que tem o dever de guardar a coisa pública, gerando também o ato ou
efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, geralmente
com oferecimento de dinheiro.
A
corrupção é o que mais se aproxima da ideia de onipresença fora dos círculos
teleológicos. Não importa o continente, o País, a cultura, a história nacional,
ela estará presente, seja desde pequenos “incentivos” para fiscais de modo a
não receber uma multa, seja através de desvios escandalosos envolvendo grandes
somas de dinheiro destinados a áreas públicas, obviamente em menor ou maior
escala, a depender de inúmeros fatores. Embora ninguém seja tolo o bastante
para dizer em alto e bom tom que é a favor da corrupção, é certo que muitos a
praticam independente da etnia e da classe social.
A
corrupção nasceu com a humanidade, em seu desejo eterno de sempre conseguir
mais do que tem direito: nasceu com a humanidade, e me atrevo a dizer que
somente morrerá junto com ela.
Diversas
medidas foram feitas por inúmeros Países para tentar ao menos limitar a
corrupção, sendo que no caso brasileiro pode-se citar a Lava-Jato, operação que
embora atualmente bastante questionada pelos atos e falas de seus dirigentes,
ainda assim vale ser mencionada como a operação que buscou desvendar esquemas
de corrupção.
Tendo
em conta esse cenário, imaginem o seguinte posicionamento: Ao invés de tentar
combater a corrupção, que parece uma luta sempre fadada ao fracasso, por que
simplesmente não permitir que ela exista tranquilamente, uma vez que basicamente
todos a praticam, sendo realizadas apenas algumas pequenas medidas para evitar
abusos extremos e caos total decorrentes da corrupção?
Calma
pessoal, sei que nesse exato momento vocês estão pensando nos mais feios nomes
para insultar tanto a mim quanto provavelmente a minha progenitora, então
abaixem os paus; pedras e serras elétricas e vamos conversar como pessoas
civilizadas. Com minha colocação anterior, não estou defendendo a corrupção,
(afinal, não sou nenhum tolo), apenas foi a melhor forma de conduzi-los a
seguinte história. Vejamos agora como um Império simplesmente desistiu de
combater a corrupção, preferindo em seu lugar regularizá-la, de modo a evitar o
caos completo.
Estamos
no século 6, já fazia quase um século desde que o general ostrogodo Odoacro depôs o infante Rômulo Augusto, último imperador romano
ocidental, marcando o fim do Império Romano no ocidente, período ao qual vocês
provavelmente aprenderam na escola como o início da Idade Média. Embora “Roma”
tenha “morrido” no ocidente, sua metade oriental permaneceu firme. Sim, estou
me referindo ao (sempre ignorado nas aulas de história dos ensinos fundamental
e médio) Império Romano Oriental, mais conhecido como Império Bizantino em
homenagem ao primeiro nome de sua capital, Constantinopla, que inicialmente se
chamava Bizâncio.
Desde
a península Balcânica até os distantes e áridos desertos do Egito e da Síria o
espirito de Roma foi preservado (para o bem e para o mal). Embora tivessem com
todo certeza uma melhor sorte do que sua metade ocidental, o Império Bizantino
não estava livre de ameaças externas e internas; a leste, mais ou menos no que
hoje corresponde aos atuais Iraque e Irã, existia a eterna ameaça do Império
Sassânida, último Estado autenticamente persa antes da ascensão do islã, ao
qual disputava com o Bizantino o controle da região, levando a inúmeras guerras
entre ambos (sim meus leitores, o Oriente médio já era uma área conturbada
muito antes do petróleo obter qualquer importância; que região sortuda!!!).
Já
em relação a ameaça interna, existia a má administração de inúmeros imperadores
bem como de seus subordinados, que levavam a inúmeras consequências, dentre
elas a uma endêmica corrupção administrativa. O sistema administrativo
bizantino agravou as diferenças entre ricos e pobres, uma vez que fornecia
serviços cuja qualidade e pronto atendimento variava a depender da riqueza das
pessoas. A burocracia imperial exigia inúmeros maços de papelada e taxas para
praticamente todos os aspectos da vida diária (qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência), que iam desde permissões comerciais até
reclamações jurídicas.
Praticamente
tudo dependia de autorização, e para obter a autorização era necessário chamar
a atenção do funcionário público certo. Para os integrantes da classe alta do
Império Bizantino isso era fácil de se obter, uma vez que contava com contados
para obter uma audiência com dito funcionário bem como com a riqueza necessária
para acelerar o caso com o pagamento de propinas, de modo a “estimular” o
funcionário a tomar seu pedido de prontidão.
Já
para aqueles que possuíam fundos limitados estavam em grave desvantagem, pois
teriam dificuldades em pagar as propinas generosas que os funcionários públicos
bizantinos esperavam para realizarem seus deveres. Sem suborno, nada era feito.
A corrupção era tão presente que os imperadores bizantinos, ao se darem conta
dessa situação, permitiram-se pagar baixos salários aos seus funcionários
públicos a fim de obterem um maior valor a ser gasto em seus próprios projetos,
pois era sabido que estes funcionários obteriam sua “complementação de renda” pelos subornos pagos pelo povo. Conta-se
que João, o Lídio, administrador público bizantino no século VI, chegou a
mencionar que ganhou trinta vezes mais do que seu salário anual durante seu
primeiro ano no cargo por meio de pagamentos dos requerentes.
Esse
sistema completamente podre não demorou muito a se tornar danoso. As pessoas
comuns realizavam empréstimos de modo a obter o valor necessário para subornar
os funcionários a realizarem seus deveres, e uma vez que as taxas de juros do
Império Bizantino eram altas, dívidas pesadas eram cada vez mais comuns. De
modo a evitar a autodestruição do sistema do Império pela eterna ganância dos
funcionários públicos bizantinos, inúmeros imperadores fizeram o impensável: publicaram
uma lista oficial estatal das propinas máximas que os funcionários poderiam
cobrar. Sim, vocês não leram errado, existia uma lista que continha o
valor máximo que qualquer funcionário poderia cobrar como “compensação de renda”,
ou seja, cobrou um valor abaixo do presente na lista, não é crime; cobrou um
valor acima do presente na lista, então agora teremos problemas. Com essa
reflexão, encerro este artigo.
Portanto,
sempre que você pensar entristecido que mora no País mais corrupto da Terra,
fique feliz em saber que, não importa o grau da corrupção em seu País, nunca
verá uma lista contendo os valores máximos que algum funcionário público possa
cobrar como propina, de modo a deixar clara e naturalizada essa prática. Os bizantinos
não tiveram tal sorte.
Por DEMETRIUS SILVA MATOS
Por DEMETRIUS SILVA MATOS
Fonte
para aprofundamento:
MARTIN,
Thomas R. Roma Antiga: de Rômulo a Justiniano. Porto Alegre: L&PM editores,
2014.
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